terça-feira, 27 de setembro de 2011

2008-2009 Fragmentos de Sonora Gravuras em Metal - FBAUP/Porto-PT

MANGUE 1
água tinta, água forte, chine-collé,
tintas Charbonnel e Arttools sobre papel 
Velin Johannot 340g/m²
67x50cm



MANGUE 2
água tinta, água forte, chine-collé,
tintas Charbonnel e Arttools sobre papel 
Velin Johannot 340g/m²
67x50cm


CIDADE-MANGUE PARTIDA
linóleo, água tinta, água forte, chine-collé, carimbos,
tintas Charbonnel e Arttools sobre papel 
Velin Johannot 340g/m²
67x50cm



MÁQUINA 1
água tinta, água forte, chine-collé,
tintas Charbonnel e Arttools sobre papel 
Velin Johannot 340g/m²
67x50cm






MÁQUINA 2
água tinta, água forte, chine-collé,
tintas Charbonnel e Arttools sobre papel 
Velin Johannot 340g/m²
67x50cm


ORGANIZANDO PARA DESORGANIZAR 1
água tinta, água forte, chine-collé,
tintas Charbonnel e Arttools sobre papel 
Velin Johannot 340g/m²
67x50cm



ORGANIZANDO PARA DESORGANIZAR 2
água tinta, água forte, chine-collé,
tintas Charbonnel e Arttools sobre papel 
Velin Johannot 340g/m²
67x50cm





“cadê as notas que estavam aqui?
Não preciso delas
Basta deixar soando bem aos ouvidos”
Chico Science

A planície costeira onde a cidade de Recife foi fundada é cortada por seis rios. Após a  expulsão dos holandeses no século XVII a (ex)cidade “maurícia” passou a crescer desordenadamente  às custas do aterramento indiscriminado e desordenado dos seus mangues. Em contrapartida, o desvairio irresistível de uma única noção de progresso, que levou a cidade ao ponto de “metrópole” do nordeste não tardou a revelar sua fragilidade. Bastam pequenas mudanças nos “ventos” da história para que os primeiros sinais de esclerose econômica se manifestassem, no início dos anos 60. Nos últimos trinta anos a síndrome da estagnação aliada a permanencia do mito de “metrópole”, só tem elevado ao agravamento acelerado do quadro de miséria e caos urbano. O Recife detém hoje o maior índice de desemprego do país, Mais da metade dos seus habitantes moram em favelas e alagados. É hoje a quarta pior cidade do mundo para se viver  (SCIENCE, Chico ... e Nação Zumbi: Da Lama ao Caos (encarte). Recife: Caos Record: 1994: digital, estéreo [grifo meu]).

Natal caminha para um quadro semelhante. O capital estrangeiro aliado a falta de políticas públicas comprometidas, aportadas por uma visão de evolução baseada no “mascaramento” dos problemas sociais e ambientais, parece guiá-la engatinhar para a “metrópole”. Uma cidade que importa-se com o turismo e com as divisas que esta prática traz a cidade. Esquecendo-se dos valores socio-ambientais e se afastando-se da história e de sua cultura. Fagocitando todas as influências extrangeiras e negando sua cultura e suas manifestações folclóricas. A cidade se esparrama pelo solo e cobre com seu tecido cinza e poluidor em uma velocidade assustadora sem se importar com o que encobre pelo caminho, sem observar como isto ocorre e suas consequências.

Os mangues estão entre os ecossistemas mais produtivos do mundo. Estima-se que duas mil espécies de microorganismos e animais vertebrados e invertebrados estejam associados a vegetação do mangue. Os estuários fornecem áreas de desova e criação para dois terços da produção anual de pescados do mundo inteiro. Pelo menos oitenta espécies, comercialmente importantes dependem dos alagadiços costeiros. Não é por acaso que os mangues são considerados um elo básico da cadeia alimentar marinha.

Ouvir o som e transformá-lo em forma. Ver a forma e tentar transformá-la em som. Sinestesia. As gravuras apresentadas são de uma série produzidas na Faculdade de Belas Artes do Porto, na disciplina Obra Gráfica, sob a orientação da professora Graciele Machado e do Técnico Avelino Guedes. Trata-se de experimentos e imagens únicas com a associação de matrizes. Água forte, água tinta, relevo seco, serigrafia, carimbos, chiné-colle, fotogravura. Unindo técnicas e tentando subverter o caráter de multiplicidade pelo anulamento de registros, ou simplesmente pela não utilização. As imagens criadas recorrem a sobreposição de impressões e de cores como fim a criação de composições mais “estáveis”. O processo de confecção das matrizes por fotogravura com fotocópias é um processo que versa sobre a anulação de parte da imagem e como, de certa forma, houve quase a total transferência imagética, o processo parece ter se encarregado da degradação da imagem com a retirada de matéria do papel. A tentativa de apagar ou de driblar o acidente parece não muito eficaz, conferindo a imagem um caráter de “único”.

As imagens construídas remetem a dicotomia entre o artificial e o natural. O mangue e seus habitantes decápodes, a flora vegetal e sua fragmentação. E a construção arquitetônica, a fuga animal e a coleta sonora. A transformação das estruturas de lama em estruturas de concreto armado. A coleta da imagem e a máquina transformadora em sons. Sons que trazem do mangue seu ritmo e significância a dureza cinza da cidade. O processo de confecção das matrizes pode revelar-se artificial pela utilização de substâncias químicas e materiais industrializados (placas de alumínio), o que confere ao trabalho uma nova questão sobre o que é realmente natural e o que é artificial. Mas o que importa, realmente, neste momento, é a construção da imagem enquanto poética pessoal e experiência produtiva gráfica, na construção de um discurso visual afim ao caráter das estéticas sinestésicas do manguebeat, alinhando o trabalho ao carácter musical-experimental que John Cage propõe em sua produção, mas de forma inversa com a audição de músicas e posterior criação de imagens. Que o mangue permaneça vivo e que se possa coexistir com sua estrutura frágil de lama e que a cidade com sua dureza-cinza ache novas formas e políticas alinhadas ao desenvolvimento socio-ambiental. 


Artur Souza, 2009

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